sexta-feira, 31 de março de 2017

O Homem Perfeito e Meu nome é Maria.


Textos Criados para o Misancene, projeto dos queridos Michel Blois e Julia Tavares! Uma honra! Foi encenado pelos atores Bruno tasca e Fernanda nobre! Lindo ver atores tão incríveis dando vida a um texto. Muito obrigada!





O HOMEM PERFEITO
Paula Braun


(Um homem aparentemente incrível, bonito, querido, gentil. Se apresenta)

Meu nome é José, e eu sou o homem perfeito. Eu sou o homem que você viu nos contos da Disney, eu sou aquele que gritava embaixo da torre da princesa, que te acordou com um beijo enquanto você dormia enquanto você se derramava em lágrimas, ainda pequena, ao me ver. Eu sou aquele que no filme te busca de carro dizendo que quer se casar com você. Eu sou aquele que as mães querem ter como genro para confeccionar puloovers.  Xadrez, por favor, gola V. Eu sou aquele que te dá a mão quando você grita, que te dá suporte quando você chora, que te dá carinho quando você chega cansada e que te mete a mão na bunda. E você gosta. 

Eu sou o homem que te pediu em casamento no restaurante mais fino  do Rio de Janeiro, ainda com gosto de champanhe na boca, champanhe caro, seu preferido.  Você, inebriada pelas borbulhas me disse sim, madura do alto dos seus 27 anos linda num vestido vermelho que eu te dei. Eu sou aquele que te esperou no altar, te levou pras maldivas, te comeu sem cuidado. Aquele que te deu sustento pra que tivessemos nada menos que tudo, perfeitos. Sou o cara que te levou a paris pela primeira vez. Eu te dei tudo o que eu podia e ainda mais. Eu sou legal! Eu tenho um milhão de amigos, eu sou um cara compreensível. Eu sou, eu sou eu sou eu fui eu era eu sou.  

Você não pode jamais dizer que não teve ao lado um homem bondoso como eu. Eu não entendo quando você me dizia que eu estava errado. Logo eu? Eu que posso te dar um apartamento e ainda pagar um design pra deixar ele mais bonito que nos filmes de solteirões americanos que morrem no final pra fazer drama. Eu te levo ao teatro pra ver o Fabio Porchat, pra que você sorria, eu amo o branco dos seus dentes. Eu amo o branco da sua pele, o seu cheiro  e o vazio profundo dos seus olhos.  Eu posso te dar jóias, te dar um emprego, te dar tudo. O que mais você pode querer? 

E eu, alem disso tudo, cuido da natureza, sabe? Eu fecho o torneira, eu apago a luz. Eu tenho um escritório sustentável no centro da cidade. Eu vou todos os dias de bicicleta pela lagoa e posto uma selfie, sempre no mesmo lugar, com a mesma luz porque ela me valoriza. E o bíceps. Eu tenho um curso de fotografia que fiz em Londres, aliás, fiz fotos lindas sua, no campo, no alto de um prédio, deixamos ela PB pra que não vissem ( rindo) a sujeira do centro, você lembra? Você girava eu clicava, você parava e eu te comia, e de novo, e bagunçava o seu cabelo. Eu te amei mais do que qualquer homem, jamais alguém te amará como eu, jamais. Jamais alguém te comerá como eu. Meu pau te ama.

 Mas vamos deixar o amor para o final, o amor, nossa redenção e nosso maior pecado.

(neste momento o homem abre um vinho e serve dois copos. Pode colocar uma música e dançar como se estivesse acompanhado. Canta junto. Fica entre um homem extremamente romântico e enlouquecido.)

JOSÉ - Lembra dessa musica? Dançamos na lua de mel, você derrubou os copos da mesa ao lado, nas Maldivas. Eu dizia que essa musica era sua, que você a tinha inventado. (ri. Percebe-se o quanto sente falta dela)

(Paralelo a essa ação arruma dois lugares na mesa. Coloca um vaso no centro com uma flor vermelha). 

Sua ausência jamais será sentida por mim, querida. Se é isso o que você deseja tendo partido. Eu lamento. É o que me resta, lamentar a sua ausência, justificável eu diria pela paixão que te afoguei. Eu sou um homem bom, passivo, respeitável, ciente das obrigações sociais, eu sou um homem de bem, um bom contribuinte, eu colaboro com a receita federal. Um brinde ao amor, essa engrenagem maravilhosa que nos tira o sono, nos faz suar, abrir garrafas de vinho e que nos tira o sono mais do que festas barulhentas de vizinhos com filhos adolescentes... esse amor que salva  tanta gente, que liberta, que inspira poetas, esse amor do desassossego, cor rubi,  que me levou, eu o homem perfeito a te bater, te chutar, te estrangular, te estuprar, te matar. Eu, perfeito, te matei e a culpa é da sua imperfeição. Sua culpa foi não me amar como eu mereço. Sua culpa foi nunca ter existido só para mim. Mas hoje sim!!!  Eu tenho a impressão de que a qualquer momento você vai entrar por ali com aquele seu moletom branco, rindo como no dia dos copos, plena, e vai se sentar aqui pra beber esse vinho que você adora. Que você vem em missão de paz pra me dizer: “você tinha razão, eu te amo, vamos ter um filho?” 

O pior castigo de um homem como eu não é a cadeia, porque dela eu me livro fácil, repito, sou um homem de bem e moro num pais sem lei. Eu sairia e teria um emprego, fato. O meu pior castigo também não é de todo a sua ausência, porque nas lembranças eu me agarro e no vinho tinto eu me sufoco toda a vez que elas vem. O pior castigo, não é a falta que você me faz por não estar aqui, não é a falta do cheiro do seu espaguetti a carbonara sem ovos sem bacon e sem glúten. O pior castigo é o relógio, essa bomba essa, essa, (busca a palavra) coisa que não para nunca, mesmo se quebrar, mesmo se eu o lançar janela afora, sempre terá outro a frente, com pilhas, sem pilhas, no celular. O relógio não para, o tempo não perdoa e eu vou envelhecer. E eu vou ficar velho sem vc. 




MEU NOME É MARIA
Paula braun

(a mulher do texto anterior. A mulher levada pela sociedade a casar com um homem aparentemente incrível, porem violento. Maria está morta e fala ao seu assassino. O texto começa assim que termina o outro.)

Não me fale sobre o amor, homem. Me fale de suas qualidades infinitas, de suas mãos que senti pesadas me quebrando o maxilar naquele dia de outono em que chovia. Fale sobre como é ter crescido entre os seus, entre os grandes de bem, entre aqueles que sempre te deram a mão e te puxaram na subida. Fale, homem, fale. Fale sobre como é calçar azul e correr, sobre como é bater o vento na cara enquanto te criam assim, livre, pronto para desbravar o mundo, mas não, não fale sobre o amor. Do amor você não sabe. 
Quando me vi nos teus braços você era maior, ao menos eu achava, te apresentaram, o homem perfeito “vais amar conhecer ele” disse a amiga, “que homem maravilhoso” disse a mãe, “terias coragem de dizer não?” disseram todos. Eu tinha em mim as princesas nas torres, e os cavalos brancos de raça, e os filmes de amor da sessão da tarde, a escola me colocando na torcida e nunca chutando a bola, cor de rosa, bala de mel, delicadezas, e só me vinha o Sim, no corpo o sim, na mente o sim, até que na boca o sim, eu não sabia de outro jeito, não poderia, “teria coragem de dizer não?” Disse sim. Maldito sim. 
E então  vieram as maldivas, e vieram as champanhes, vieram os vestidos e vieram as rotinas. Sexo sim, mesmo quando eu dormia. Vieram os presentes sempre um prêmio. E você, o maior de todos  “Que sorte você tem de ser casada com ele” “Nossa que homem de ouro,  que homem bonito!”  “Tão pleno, tão forte, tão engajado”. “Tão alto, tão talentoso, tão querido”. “Ele corre todo dia? Nossa!” “Conta pra gente, ele é bom de cama?” “Ele te come bem? Come, né?” “Ele que te deu esse relógio mara que não para?” “Ele fode com força?” “Qual a sua marcar de batom vermelho? Ele deixa?” “Ele te prefere de quatro ou deitada?” “E os filhos? Quando vem? Você vai ficar velha” “Você cozinha pra ele? Não acredito que é ele quem cozinha!!! Menina, que louca, você não sabe fritar um ovo? Não brinca!” 
E eu ali, muda, a vida inteira muda, sem gritar, sem fugir, sem te encarar de frente, com o sim marcado como em gado, eu o gado. A vida inteira em busca de algo sem saber direito o quê, a vida inteira engasgada, engolindo pregos e perdendo dentes, sufocada como em um sonho onde se quer gritar e a voz não sai, em busca da única palavra que poderia ser dita, libertadora, curta: NÃO! Eu gritava não é não. E a voz não saia. Não vinha. Então eu sorria. 
(pausa)
Eu sorria e você não entendia. Então batia. O homem perfeito batia porque achava que eu sorria demais. Eu achava normal, ferida cura, minha carne é espessa, minha casca dura. Até aquele dia, quando senti que a morte era a saída, eu sorri mais, e te chamei ainda, ali, antes de ir e te disse, como faca que entra macia sobre a tua pele bronzeada, o oposto da tua intocada perfeição, aquilo que você nunca admitia, baixinho ainda te disse: vais morrer um dia. Frouxo, babaca, Machista. 

(Aqui  se dá de fato a passagem. Morre também a personagem e nasce a atriz que fala em nome de todas. )

Meu nome é Maria mas poderia ser outro.  Sou branca, hétero, negra,  trans, homo. Sou criança, velha e prostituta. Santa e filha da puta. Sou Elza soares, Carmem Miranda, Eliza Samudio. Levanta a Mao pra mim e seremos 10 contra você. Porque força não se mede com o tamanho do bíceps, ou com o numero de abdominais, força a gente mede com luta. Quando te levantares contra uma seremos muitas. Não me pegue pelo braço, odeio que me peguem o braço, odeio que me ditem caminhos, que me digam o correto, que me digam “não faça”. Eu faço! Porque eu sou fogo que corta o céu, sou água que seca a chuva, sou vento que move paredes. Não me chama de neném, me chame pelo nome. Sou Yara, Yansã e oxum! Tenho a fúria das águas e os trovões, minha arma é também a minha calma. Sou Bethanea, Frida Kahlo, Dilma Roussef e Dona Canô. Baixa o tom da sua voz, baixa a sua mão, baixa a sua cabeça e me chama de mãe. Mesmo que eu não seja porque eu não quis ou pude, me respeita. Pede perdão. Pelo soco, pelo tiro, por ter me dado aos cachorros, por ter me colocado na beira da estrada antes mesmo de eu saber o que era um pau duro, por ter me vendido por menos de 50 reais. Eu não ando só. Nunca mais.  Eu falo alto porque eu quero, não me interrompa toda a vez que eu vou falar! Peca desculpas por me privar de ser quem eu sou, por me passar a mão na bunda sem eu pedir, por falar de mim em mesa de bar como se eu não fosse igual a você, como se eu não tivesse vontade igual a você. Peça desculpas por eu ter sido o “autor desconhecido” ao longo da história, por não poder assinar meu nome, por ter sido queimada. Não tenho medo, eu sangro. Enfia no cu o seu preconceito, enfia no cu a sua falta de caráter, o seu achar normal ser assim. Enfia o tamanho do seu pau no cu, ele só diz respeito a você. Me chama de histérica, é só o que te resta. Eu sou Nise, sou Joana Darc e Madame Popova. Eu nunca mais serei uma. Meu nome é luta. 



terça-feira, 31 de março de 2015

Carta de um homem que diz que não é machista a uma mulher que diz que não é feminista.

  
(essa obra é baseada em fatos reais porém cem por cento ficção. qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência)


"Mulher,

Você não tem o direito de se arrepender de sua grávidez. Porque gerar é a coisa mais Linda que existe e cada sorriso de seu filho lhe sera como um bálsamo em meio ao sofrimento. Jamais reclame. Você não tem esse direito. Você é privilegiada por nascer com útero.

Você támbém não deve achar que sua gestação irá prejudicar sua carreira, afinal você nasceu para gerar! Deus te deu um útero. Ele quis. Não se preocupe pois se um dia eu me separar você receberá sua pensão. E fique tranquila, ninguém dirá que você se aproveita da situação por ter dinheiro fácil.

Também tive minha parcela de sacrifícios. Parei durante 5 dias para te ajudar. É o que o governo me dá por ser o certo. O governo faz apenas coisas certas. E olha que maravilha, ele te dá seis meses de férias! É só amamentar, que dificuldade há nisso? Agora, se você for uma profissional liberal vai ficar mesmo sem receber, é bom que tenha um macho como eu, que te dá conforto e dinheiro. E depois, ao retomar sua função (se não ficar desempregada) talvez ganhe mesmo menos dinheiro.  O lado bom é que te sobra mais tempo pra cuidar da casa, lavar cuecas, ora, isso não pode ser tão difícil. 
Passe por isso, é seu o peito, é seu o leite, é sua responsabilidade, é você, você e você. Você é culpada se o filho vai mal na escola, se ele é um marginal que assalta carros em engarrafamentos, Você é culpada pelo aborto, pelo seu próprio estupro, seja ele social ou físico, mental ou material. Afinal eu estava trabalhando, eu estava viajando a trabalho, eu estava no banho batendo punheta pra uma ex qualquer. Eu nasci com pau. Deus quis assim, não foi? .

E não pense você que nasceu com um, não se coloque no lugar de um homem, isso é coisa de vagabunda, de feminista chata, de mulher desesperada por atenção e sexo.  Seja delicada, me entenda, me dê carinho e sexo selvagem. Me espere pro jantar de lingerie, me deixe com meus amigos o tempo que for, e principalmente, não precise de mim, entende? NÃO PRECISE DE MIM. DEIXE QUE EU TE DIGA QUANDO SOU NECESSÁRIO A VOCÊ, eu que sei do que você necessita, ou quando devo estar presente. Fui eu que nasci com pau, lembra? 

O filho é seu, você que engordou, você que amamenta. E isso é tão lindo! Agradeça.  Gravidez não é doença. Deus sabe o que faz. Assim ele te dispersa do que não presta, do gasto desnecessário, onde já se viu fazer cabelo em salão? Deixa que eu gasto onde for necessário, pornografia (afinal você engordou) futebol, cerveja e maconha. Quando der, alias pega outra pra mim na geladeira?
Mulher, se valorize. Você sabe onde é seu lugar. E depois se vier com frescura e quiser trabalhar te pago um cursinho de culinária, ou de qualquer bobagem que você queira. Eu pago. Eu tenho dinheiro. Afinal, quem parou de trabalhar pra pôr filho no mundo foi você. A escolha foi sua. E convenhamos, você não tem talento pra fazer o que faço. Eu sou demais. Eu posso. Eu pago. Eu sou o tal. Eu nasci com pau. Lembra?

Com amor. 

P.S - Veste aquela lingerie que eu gosto? aquela que cobre sua flacidez. Depois te pago um cirurgião qualquer pra arrumar. Você vai me agradecer!" 

(Texto: Miranda December) 


sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sobre as migalhas.


Celular toca a trilha do Darth Vader. Coração gela. Não é nenhuma invasão intergaláctica, é a lista de compromissos do dia. Entre trabalho, médico do filho e retirada de documentos (por quê tanta burocracia?) o cabeleireiro. Confiro o último post do colega, do amigo, do conhecido do primo, da lista de 1987 amigos onde mais da metade eu mal sei o nome ou imagino quem seja. “Beijo me adiciona” (o novo “me liga”) e na rapidez de um clique você descobre que a pessoa do evento de ontem está agora lavando a louça de hoje. Com glamour, claro, estilo pin up: prendada porém liberta (viva o anticoncepcional e o sutiã na fogueira).
Cansada corro para o espelho e percebo o cabelo batendo no teto, as bolsas dos olhos mais polpudas que qualquer Dior e todas as marcas e sinais do rosto mais visíveis que célula em microscópio da NASA. Vontade de se enfiar sob a torneira gelada e ficar ali por meia década, o que seria inapropriado visto o desperdício de água, de tempo, de sabão, de coisas sociais, ecológicas e politicamente incorretas. Jogo um filtro “valência” no rosto e abro um Bom dia” suntuoso ao lado do café da manhã na rede de fotos do celular que já apitou mais umas quatro vezes. Que dia lindo! #perfectday
“Bom dia Filho! Papai já saiu! Vem tomar seu café da manhã”, e ele me olha, atinge e desarma. “Vem aqui meu pequenino” e ele se abre num sorriso maior que a sala, que o sol, que o mundo inteiro. Se joga no meu colo forçando um pouco mais à esquerda a minha lombar. Toca novamente o hino do Darth Vader como se fosse eco que se perde no vale. Por um instante esqueço. No instante seguinte alcanço o aparelho e começo a responder digitando com uma mão enquanto como. O tempo é um relógio que não pára e por mais que atrase de vez em quando a gente corre para ajustar os ponteiros. “Meu relógio é digital, não atrasa nunca”. Minha vida também.
E eis que subitamente os olhos cerram, e coloco pra fora o ar que mal tinha colocado para dentro, tusso como se fosse o tossir a razão de toda a minha existência. Ajeito o filho na cadeira perdendo um pouco da visão. Maldito cereal sem glúten, leite, milho, gosto, a migalha errada no lugar errado e vou me sentindo roxa, azul, quase preta, “onde está o meu ar? Eu compro, pago, pode ser depósito online?”  Vejo o filho comendo um pedaço de queijo sem entender o que mamãe fazia ali, tossindo sobre as migalhas. Dramática pensei: morri. Levantei e puxei o ar com força, como quem grita, como quem precisa e se lembra que enfim, respira. Respiro. Ufa.
Darth Vader de novo. Jogo o Darth amado dentro do vaso de tulipas. Lacrimejando ainda, observo como se passa a manteiga no pão. Ou como o filho tenta passar a manteiga no pão com seu dedo pequenino furando aleatoriamente a massa amarela e mole. Logo em seguida penso em como se tira a manteiga do pequeno, da mesa, do sorriso, do braço...
Sorrio um pouco e reparo pela primeira vez no raio de luz que entra pela fresta da vidraça. Penso na foto linda que poderia postar, mas o grito da criança me chama e eu percebo que agora existe uma fralda pra trocar. Manteiga, fresta, fralda. E percebo que a vida é um tanto mais lenta, que em casa entra vento e que de tudo hoje, apenas o médico, nem o cabelo. A tosse foi, o ar ainda entra lento, o celular continua boiando entre as tulipas e esse é o lugar que me percebo, na migalha, no pequeno. “Esqueci de respirar durante todo esse tempo”  e corro pela sala mesmo, meio desajeitada com o tapete que escorrega. Filho acha graça, cai, e deixo um pouco o resto para o porvir. “Só hoje, eu juro” delícia esse tal de porvir.

terça-feira, 23 de julho de 2013

MARISTELA.

Nada mais do que eu disser daqui pra frente sairá da minha boca.

Não consigo entrar no molde que tua mão divina me prometeu. Enfrento fila de banco, vou à padaria, bato perna pra encontrar o menor preço, me descabelo, me desconjuro diante do espelho, não passo protetor solar todo dia, sorrio de boba, meu cabelo não tem forma, minha unha do pé está preta, minha unha do dedo está comida, tenho o corpo imperfeito, unha encravada, umbigo disleixo,  sorriso torto, barriga d’água, pé cascudo e dente quebrado. Tenho preguiça de me depilar, tenho angústia ao acordar, tenho medo de não render, tenho sono pra esquecer  injúrias. “Sorria pra foto, pequena, o mundo quer ver a tua felicidade”. Mesmo contrariada eu sorrio e entrego o meu pescoço numa bandeja de camelô. “Ta linda”, amarelo, “vira um pouco a tua esquerda” olhos marejam, “só mais uma” e um flash de luz reina cegando-me.



Não sofro por bolsa de grife, não faço cabelo no salão das beldades, não sou “uma fofa”.  Sou aquela que grita e põe tudo a perder. Arroto em mesa de restaurante fino, falo pouco, não sou obrigada a fazer social com quem nunca me viu, me conheceu, me tocou de verdade a mão. Nunca diga que da minha boca saiu  “sou magra mas é genética” (raramente é), “sou calma e carinhosa” (perco as rédeas de vez em quando), “foi um presente” (tenho os meus méritos). Se eu levo um tapa eu dou outro. Se caio levanto. Se me derrubam eu rio na próxima queda que não será a minha.  A perder? Nada. A ganhar? Muito menos. 

Eu quero aquilo que ninguém viu, que chega onde eu não conheço. Que fede de doer, que dói de latejar. E se eu acabar os meus dias, pobre, feia e só, chegue bem perto, porque eu vou estar de punho cerrado segurando bem forte ali na palma da minha mão toda essa crença que me faz seguir todos os dias sem lamentar. O meu baú de riquezas é pequeno, não cabem sacolas de luxo, sapatos de cristal ou páginas de revistas estampando rostos que não são meus. Sem champagnhe ou foi grãs (quem sabe uma média com leite e pão na chapa) vou teimando em sair da linha que insistem em me colocar. Eu não sou aquela que aparece sorrindo no jornal.

 Sou Maristela Branco Assis, tenho os pés cravados na terra, tenho raiz.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

MEU ENCONTRO COM PAULINHO



        19h40min, sábado pós chuva, televisão ligada em qualquer coisa, pés em cima do sofá, bacia de pipoca vazia ao lado. Estava ali, afundada no sofá, correndo os dedos na inutilidade de um iphone quando me deparo com uma postagem: "Indo pro show do Paulinho da Viola". Pensei. “Nunca sei quando tem show. Amo Paulinho da Viola e vou perder mais uma vez". Quis atacar um chocolate para me deprimir mas a preguiça me fez continuar ali, imóvel.
   19h45min, estava dando um google para ver onde era o show, curiosidade de fã. “Os fãs do cantor(...) têm um motivo especial para assistir ao show gratuito que o sambista faz as 20h deste sábado, no Parque Madureira, no subúrbio do Rio. E que Paulinho comemora 70 anos (...)estará acompanhado de músicos que tocam com ele há mais de 40 anos(...)a festa terá ainda a participação especial da Velha Guarda da Portela.” Eu quase chorei. Juro. Eu ia perder um show histórico, de um cara que eu amo!
   19h50min eu peguei um casaco e tomei um taxi. Eu nem penteei o cabelo (calculem): “Parque de Madureira, por favor”. Liguei do taxi pro maridão que tinha ido a padaria com a filhota: “amor, tô indo ver Paulinho da Viola. Tudo bem? É um show histórico numa praça” eu dizia observando a Lagoa, descabelada, sem sequer me questionar aonde diabos fica Madureira. “vai amor, bom show pra você” dizia my love, sabendo da minha loucura pela obra deste senhor que hoje comemorava 70 anos.
   Às 20h eu finalmente perguntei para o taxista, “Madureira é muito longe?” Ele disse “um pouquinho”. Olhei no mapa do iphone (4% de bateria) e achei que tinha alguma coisa errada, porque dava muuuuuito mais do que “um pouquinho”.
E era só estrada que eu via. Chegou um momento dentro do táxi que eu achei que estava sendo sequestrada e pensei “eu estava no sofá, esperando o pão chegar quentinho, pronta para engordar um pouco mais a pancinha do fim de semana, e saí feito uma louca para ir sei lá pra onde? Tô louca?” E o táxi ia, e ia, e passava por todas as periferias, botecos, morros… Mandei um recado pro marido: “amor, tô no talo da bateria. Te amo”. Meu celular enviou e deu um ultimo suspiro. E o taxi nunca chegava.
   Comecei a bater papo com o motorista, na verdade eu estava nervosa e contei uma parte da minha vida: que eu era do Sul, Morava no Rio há 5 anos e praticamente não tinha quase saído da zona sul. De nunca ter ido tão longe. Ele sorriu, acho que percebeu meu princípio de desespero. Me perguntou : “você gosta de samba?”. Eu disse aliviada: “Eu amo samba. Foi uma das coisas que me trouxeram para cá.” Falamos do carnaval, de como o samba mudou a cadência, blá blá blá, e o táxi ainda ia.
   Finalmente avistei uma daquelas placas MADUREIRA.  Ele começou  a me mostrar "aqui nasceu a Portela”, "aqui tem uma feijoada maravilhosa", e eu ia me encantando com aquele lugar , pensando como eu tinha passado tanto tempo sem ir até lá. Barulho, buchicho, gente na rua. Eu me senti mais em casa do que nunca. Me senti na minha cidade de interior, nas festinhas de igreja (aquele cheirinho de fritura que eu amo, macã do amor e o combo 3 cervejas a 10,00). Confesso, me senti acolhida pela primeira vez no Rio de Janeiro. E gritei para mim “até que enfim encontrei gente de verdade”.
   20h35min o táxi chegou. Paguei a pequena fortuna, agradeci o taxista, andei um pouco mais curtindo toda aquela atmosfera "divino"e cheguei ao tal Parque Madureira. Não tinha começado o show. Encontrei um amigo divertidíssimo que sempre encontro no Festival do Rio (Ricardo, obrigada querido), e depois um outro amigo querido (também povo do cinema) e depois ainda uma outra, atriz, feliz no meio da multidão.
   Quando aquele homem entrou no palco, cheio de luz e soltou a voz, eu chorei igual uma criança. Olhei para o lado e vi um bebê, quase recém nascido. Sorri para a mãe. O pai, meio bêbado, olhou pra mim e disse: "essa mulé só dorme no ar condicionado! Olha onde eu fui amarrar meu burro”. Todos rimos. Me senti ainda mais acolhida. Do meu outro lado tinham duas senhoras! Com uma delas arrisquei um dueto na música Quantas Lágrimas. Ela me olhou no final e disse com os olhos marejados, são 32 anos de Portela. Achei que ela errou as contas, mas achei lindo mesmo assim. Fazia muito tempo que eu não olhava em olhos desconhecidos e ganhava um sorriso gratuíto.  
   Quando eu fui passar pro outro lado do show, já me dirigindo para a saída, sem querer esbarrei num garoto, uns 20 e tantos anos acho, que me olhou meio aborrecido. Eu pedi desculpas. Ele disse, sorrindo, não tem problema, mas cuidado com as pessoas. Eu ia voltar ele me segurou. Eu disse "eu vou dar a volta, não quero atrapalhar ninguém”. Ele disse: “você não vai atrapalhar. É so pedir licença”. Tão simples, né? Como eu fui esquecer de algo tão simples! Olhar nos olhos, pedir licença, sorrir. Eu já levei tanta patada nessa cidade que por um momento esqueci de ser gentil.  De longe ele abanou “viu como é fácil?”  Agradeci envergonhada e segui.
   E Paulinho cantava lindamente com sua velha guarda quando recebeu um grande coro de parabéns a você, cantado emocionado por mim e todas as vozes diferentes que se encontravam ali. A cidade que escolhi viver ficou bem mais bonita e interessante, finalmente. De todos os shows que fui na vida esse foi especial. Cantei sem medo de ficar rouca (até lembrar da leitura de terça e guardar um pouco a voz), olhei pro céu, vi a lua, me senti parte do mundo. Me coração bate mais feliz com samba. E eu não posso, nunca, esquecer disso. Saí do Parque de Madureira mais eu. Voltei um tanto para dentro de mim.
   Tomei um outro taxi para voltar, feliz da vida. O taxista falando da minha rua, do ponto de táxi que tem lá, disse que já trabalhou por lá, que tem um amigo lá... esses papos de táxi que a gente mais ouve do que participa. Aí ele disse: "resolvi voltar pra madureira, ficar perto do Paulinho e da Portela". "Bem faz você" respondi. E Madureira já nem me pareceu tão longe assim.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Autorretrato.


Estou completamente apaixonada por fotografia. Tenho feito cursos, pesquisado, investido em algumas lentes, e me tornado uma pessoa muito mais feliz por isso. Acho que o cinema me levou a esse caminho, a imagem estática em um momento mágico, capturado, sendo muitas vezes mais bonito que a própria realidade. E eu gosto disso, fugir do que o olho vê por si, encontrar um frame que desperte algo novo, mais bonito e poético, um buraco pra fugir, um momento que mereça.

Conheci no curso de fotografia o trabalho de  lee friedlander, e francesca woodman. Me apaixonei! Sempre gostei de autorretrato, e o que esses dois fizeram foi esplêndido. Recomendo um google. Não tem como não se inspirar. 

Autorretrato é legal, porque se torna mais próximo do que imagino como atriz e como diretora (no caso aspirante a fotógrafa). É minha cabeça e minha idéia. Toda a produção aqui é minha, todos os cliques feitos com controle remoto ou timer. Devo ainda ficar nessa pesquisa, me fotografando por um bom tempo. Por enquanto PB, depois cores. Vou mostrando tudo aqui. Eu vou evoluir, prometo... hehehe


Críticas sempre muito bem vindas. 

Beijo,
Paula.

P.s. Todas os direitos das imagens são reservados, e o uso de qualquer uma delas sem minha devida autorização é crime. Irei atrás, pedirei punição. E que se salve o dia e hora que estão sendo publicadas. 20 de setembro de 2012, 14h58min, aprox.


























sábado, 21 de julho de 2012

Tristeza.


Fiz esse vídeo há muito tempo atrás, com uma câmera caseira barata, por acaso enquanto esperava uma chuva passar. a segunda parte dentro de um carro. Eu estava triste mesmo, tinha acabado de discutir, final de relacionamento, aquela coisa que só quem passa sabe. Curiosa me gravei (com a mesma câmera barata) pra ver como se imprime a tristeza. Eu nunca tinha editado nada, essa foi a primeira vez. Não gosto da fonte, não gosto do título, se fosse hoje faria as imagens mais estáticas. vivendo e aprendendo. Naquela época eu não imaginava que um dia me interessaria em ficar atrás das câmeras, coisa que muito me interessa hoje. Mas achei ele num antigo arquivo (backup ou back up ou bakup) de um computador que não existe mais. Gosto da feiúra, do ângulo torto, do clima. Achei interessante postar. E quanto ao cigarro, fez parte desta época difícil da minha vida. Está ali também. Beijos!!!

http://www.youtube.com/watch?v=MNmznKff30U&feature=youtu.be