segunda-feira, 19 de novembro de 2012

MEU ENCONTRO COM PAULINHO



        19h40min, sábado pós chuva, televisão ligada em qualquer coisa, pés em cima do sofá, bacia de pipoca vazia ao lado. Estava ali, afundada no sofá, correndo os dedos na inutilidade de um iphone quando me deparo com uma postagem: "Indo pro show do Paulinho da Viola". Pensei. “Nunca sei quando tem show. Amo Paulinho da Viola e vou perder mais uma vez". Quis atacar um chocolate para me deprimir mas a preguiça me fez continuar ali, imóvel.
   19h45min, estava dando um google para ver onde era o show, curiosidade de fã. “Os fãs do cantor(...) têm um motivo especial para assistir ao show gratuito que o sambista faz as 20h deste sábado, no Parque Madureira, no subúrbio do Rio. E que Paulinho comemora 70 anos (...)estará acompanhado de músicos que tocam com ele há mais de 40 anos(...)a festa terá ainda a participação especial da Velha Guarda da Portela.” Eu quase chorei. Juro. Eu ia perder um show histórico, de um cara que eu amo!
   19h50min eu peguei um casaco e tomei um taxi. Eu nem penteei o cabelo (calculem): “Parque de Madureira, por favor”. Liguei do taxi pro maridão que tinha ido a padaria com a filhota: “amor, tô indo ver Paulinho da Viola. Tudo bem? É um show histórico numa praça” eu dizia observando a Lagoa, descabelada, sem sequer me questionar aonde diabos fica Madureira. “vai amor, bom show pra você” dizia my love, sabendo da minha loucura pela obra deste senhor que hoje comemorava 70 anos.
   Às 20h eu finalmente perguntei para o taxista, “Madureira é muito longe?” Ele disse “um pouquinho”. Olhei no mapa do iphone (4% de bateria) e achei que tinha alguma coisa errada, porque dava muuuuuito mais do que “um pouquinho”.
E era só estrada que eu via. Chegou um momento dentro do táxi que eu achei que estava sendo sequestrada e pensei “eu estava no sofá, esperando o pão chegar quentinho, pronta para engordar um pouco mais a pancinha do fim de semana, e saí feito uma louca para ir sei lá pra onde? Tô louca?” E o táxi ia, e ia, e passava por todas as periferias, botecos, morros… Mandei um recado pro marido: “amor, tô no talo da bateria. Te amo”. Meu celular enviou e deu um ultimo suspiro. E o taxi nunca chegava.
   Comecei a bater papo com o motorista, na verdade eu estava nervosa e contei uma parte da minha vida: que eu era do Sul, Morava no Rio há 5 anos e praticamente não tinha quase saído da zona sul. De nunca ter ido tão longe. Ele sorriu, acho que percebeu meu princípio de desespero. Me perguntou : “você gosta de samba?”. Eu disse aliviada: “Eu amo samba. Foi uma das coisas que me trouxeram para cá.” Falamos do carnaval, de como o samba mudou a cadência, blá blá blá, e o táxi ainda ia.
   Finalmente avistei uma daquelas placas MADUREIRA.  Ele começou  a me mostrar "aqui nasceu a Portela”, "aqui tem uma feijoada maravilhosa", e eu ia me encantando com aquele lugar , pensando como eu tinha passado tanto tempo sem ir até lá. Barulho, buchicho, gente na rua. Eu me senti mais em casa do que nunca. Me senti na minha cidade de interior, nas festinhas de igreja (aquele cheirinho de fritura que eu amo, macã do amor e o combo 3 cervejas a 10,00). Confesso, me senti acolhida pela primeira vez no Rio de Janeiro. E gritei para mim “até que enfim encontrei gente de verdade”.
   20h35min o táxi chegou. Paguei a pequena fortuna, agradeci o taxista, andei um pouco mais curtindo toda aquela atmosfera "divino"e cheguei ao tal Parque Madureira. Não tinha começado o show. Encontrei um amigo divertidíssimo que sempre encontro no Festival do Rio (Ricardo, obrigada querido), e depois um outro amigo querido (também povo do cinema) e depois ainda uma outra, atriz, feliz no meio da multidão.
   Quando aquele homem entrou no palco, cheio de luz e soltou a voz, eu chorei igual uma criança. Olhei para o lado e vi um bebê, quase recém nascido. Sorri para a mãe. O pai, meio bêbado, olhou pra mim e disse: "essa mulé só dorme no ar condicionado! Olha onde eu fui amarrar meu burro”. Todos rimos. Me senti ainda mais acolhida. Do meu outro lado tinham duas senhoras! Com uma delas arrisquei um dueto na música Quantas Lágrimas. Ela me olhou no final e disse com os olhos marejados, são 32 anos de Portela. Achei que ela errou as contas, mas achei lindo mesmo assim. Fazia muito tempo que eu não olhava em olhos desconhecidos e ganhava um sorriso gratuíto.  
   Quando eu fui passar pro outro lado do show, já me dirigindo para a saída, sem querer esbarrei num garoto, uns 20 e tantos anos acho, que me olhou meio aborrecido. Eu pedi desculpas. Ele disse, sorrindo, não tem problema, mas cuidado com as pessoas. Eu ia voltar ele me segurou. Eu disse "eu vou dar a volta, não quero atrapalhar ninguém”. Ele disse: “você não vai atrapalhar. É so pedir licença”. Tão simples, né? Como eu fui esquecer de algo tão simples! Olhar nos olhos, pedir licença, sorrir. Eu já levei tanta patada nessa cidade que por um momento esqueci de ser gentil.  De longe ele abanou “viu como é fácil?”  Agradeci envergonhada e segui.
   E Paulinho cantava lindamente com sua velha guarda quando recebeu um grande coro de parabéns a você, cantado emocionado por mim e todas as vozes diferentes que se encontravam ali. A cidade que escolhi viver ficou bem mais bonita e interessante, finalmente. De todos os shows que fui na vida esse foi especial. Cantei sem medo de ficar rouca (até lembrar da leitura de terça e guardar um pouco a voz), olhei pro céu, vi a lua, me senti parte do mundo. Me coração bate mais feliz com samba. E eu não posso, nunca, esquecer disso. Saí do Parque de Madureira mais eu. Voltei um tanto para dentro de mim.
   Tomei um outro taxi para voltar, feliz da vida. O taxista falando da minha rua, do ponto de táxi que tem lá, disse que já trabalhou por lá, que tem um amigo lá... esses papos de táxi que a gente mais ouve do que participa. Aí ele disse: "resolvi voltar pra madureira, ficar perto do Paulinho e da Portela". "Bem faz você" respondi. E Madureira já nem me pareceu tão longe assim.